Correio do Povo do dia 6 de setembro de 1911, quarta-feira, noticiava:
– O crime de hontem – Porto Alegre foi, hontem pela manhã, theatro de um desses crimes tão sensacionaes e extraordinarios que só a phantasia exuberantemente tragica de um Conan Doyle seria capaz de architectar na sua faina de crear romances policiaes. Pouco depois das 8 horas da manhã, quando a cidade já se agitava na labuta diária, em pleno centro commercial, na rua de maior concurrencia e movimento, quatro homens, ou antes, quatro bandidos assaltam, á mão armada, uma casa de cambio: ferem mortalmente o empregado do estabelecimento; arrecadam todos os valores que encontram; saem impunemente; atravessam as ruas mais centraes; tomam um carro, cujos animaes esfalfam; depois um bonde do qual fazem sair os passageiros, sob ameaça de morte; ainda sob a mesma ameaça obrigam o motorneiro a voltar a disparar o bonde a toda a velocidade, por um arrabalde afóra, não logrando chegar ao fim da linha porque o electrico descarrila; e lançam mão, então de uma pequena carroça de leiteiro que encontram, conseguindo afinal, ganhar distancia e fugir. E todo esse trajecto, como o proprio crime, foi seguido de perto por innumeras pessôas, sem que uma só – uma unica! – se opuzesse aos facinoras! E mais ainda, isso numa capital de Estado onde as autoridades administrativas, o chefe de policia e seus auxiliares, uma brigada militar e a policia municipal, além de um batalhão do Exército, que também poderia, num caso desses, prestar auxilio immediato!
No entanto, os bandidos perpetraram o assalto calmamente e calmamente se foram, lançando mão de todos os recursos que encontravam, sem que lhes embargasse os passos um unico representante de todas essas numerosas organisações da autoridade publica!
Ficará para Porto Alegre a triste e retumbante gloria de ter sido a primeira cidade do Brazil em que um tal crime se perpetrou.
*Mantida a grafia da época
Fonte: Jornal Correio do Povo – Coluna “Há um século no Correio do Povo”.
** Sobre este fato, o Esboço Histórico da Brigada Militar, Volume I, 2 ed., página 409, registra o seguinte:
“Às 8 horas da manhã de 5 de setembro, quando já intenso era o transito de pessoas na rua dos Andradas, quatro indivíduos desconhecidos, dispostos e armados, penetraram no prédio 210, onde
funcionava a casa de câmbios do sr. Virgilio de Oliveira Albuquerque e, disparando tres tiros com pistola Mauser de repetição, feriram gravemente o empregado tenente Alcides Brum, que faleceu dois dias depois.
Conseguiram se apoderar dos valores que encontraram no mostrador.
O major Francisco Nabuco Varejão, que se barbeava na casa em frente, Alberto Lavra Pinto e José Carlos Dias, vizinhos, deram rebate .
Os bandidos, fugindo, e ameaçando quantos deles se aproximavam, conseguiam, após uma sério de ousadissimos atos de violência, internar-se nos matos da varzea de Gravataí, onde o delegado de policia, dr. Francisco Tompson Flores que os perseguia sem tréguas, acompanhado de destacamentos da Brigada Militar, agentes municipais e populares, estabeleceram apertado sitio, descobriram os facínoras entrincheirados nas raízes de colossal figueira existente na divisa das terras de Antéro Henrique da Silva e João José da Silva, lugar em que, resistindo tenazmente à ordem de prisão, caíram mortos pelas balas da patrulha da Brigada Militar que os deparára.”
Seguindo, transcreve, às páginas 409 a 415, documentos oficiais da época (Ordem do Dia nº 243, do Comandante Geral da Brigada Militar, que reúne comunicações e relatórios).